"Caso o cotidiano lhe pareça pobre, não reclame dele,

reclame de si mesmo que não é poeta o bastante

para evocar as suas riquezas."


Rainer Maria Rilke

Cartas a um jovem poeta.Porto Alegre: L&PM,2006.p.26




domingo, 27 de maio de 2012

Vida é lembrança

Há muitas coisas importantes na nossa vida, mas reconheci por experiência com um familiar que a memória é essencial para nós.  Se não há mais o registro das nossas experiências, o nosso viver literalmente se perde. Perde o sentido, a direção, os objetivos.
Fica igualmente perdida a identificação dos amigos: quem és tu?
Fugir de casa e perder-se é
 comum entre os doentes de Alzheimer. 
Perde-se a localização espacial: onde estou?
As histórias são contadas como se fosse inéditas. Tudo é o nada e nada tem a ver com:o quê mesmo?  Ou seja, não é possível assimilar os detalhes, não há associações cerebrais. 
O que é bonito agora, é reconhecido como algo novo daqui há alguns segundos.
O dia amanhece, a tarde passa e a noite chega, sem que tenha percebido nem o início da manhã.
As pessoas falam, mas é como se a fala fosse sons num plano de fundo. Eles desaparecem muito rapidamente e o que foi dito não é retido.
A alimentação pode estar quente demais ou fria, mas a sensação passa logo e é deletada da mente. O sabor tem pouca duração, parece tudo insípido, totalmente sem gosto.
Os cheiros evaporam-se, as coisas são inodoras.
As cores não brilham. A cor é neutra. Não há comparações se não houver referências.
Não reconhecer as pessoas e disfarçar: é outra característica.
Tudo pode ser visto, ao mesmo tempo mas de nada recorda. Isso é a ausência de memória, é a doença chamada "Mal de Alzheimer", que começa discretamente com esquecimentos bobos e desculpas esfarrapadas até chegar ao ápice das poucas lembranças ou do quase nada.
Muitas famílias tem pessoas nesta situação e quando a doença está declarada vem a fase mais difícil para todos. A dependência vai aumentando e o envolvimento da família pode aumentar,  diminuir ou se estabelecer unicamente em um determinado membro. Seguem-se então, com muita intensidade, os relatos do esgotamento e os desabafos dos cuidadores.
É importante que os envolvidos sejam solidários nesta hora para ajudar àqueles que estão cuidando, pois a tarefa é árdua: física e emocionalmente.
Contudo a própria doença também tem seu lado: libertador e justo com o doente. Com o passar do tempo, liberta a pessoa das promessas feitas, dos compromissos, das preocupações, dos horários, não existe mais a vergonha, desconhece as cobranças, a sinceridade prevalece, não há saudades, nem ressentimentos... a vida agora é light.
Que vida? A vida de segundos. 

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