"Caso o cotidiano lhe pareça pobre, não reclame dele,

reclame de si mesmo que não é poeta o bastante

para evocar as suas riquezas."


Rainer Maria Rilke

Cartas a um jovem poeta.Porto Alegre: L&PM,2006.p.26




segunda-feira, 21 de maio de 2012

Os lados (Continuação dos Fundos e da Frente-fundos)

A cada escolha que fizemos só se sabe, com certeza, se foi uma boa decisão, depois de fazê-la. 
Assim foi quando mudamos do centro para o Condomínio Morada do Parque . Um lugar tranquilo, seguro, longe do trânsito, com bastante espaço e ideal para morar com crianças foi tudo que encontramos ali. 

O número de casas construídas aumentou, em dez anos, de 25 para 72 residências. Logicamente, o número de moradores, também. Claro que com isso surgiram alguns problemas estruturais e até de relacionamento e de convívio social. 
Surgiu a necessidade de fechar com grades a frente do condomínio, contratar porteiros e um funcionário para serviços gerais e jardinagem;  individualizar as entradas de abastecimento de água por unidade;  cobrar o condomínio e eleger um síndico. E por que não criar um "Clubinho" para as crianças e ter uma eleição para Síndico-Mirim?   

Eram tantas as bicicletas que parecia um "Passeio ciclístico".

Um grupo de mães ajudou a organizar a eleição e as regras. Inscreveram-se duas chapas com três candidatos ao cargo de síndico-mirim, subsíndico e secretário.
Após a votação muito disputada, o síndico-mirim montou uma equipe para criar o Gibiteca (biblioteca só de gibis), receberam doações de joguinhos e livros, juntaram dinheiro para comprar uma mesa com cadeiras no brique e  ganharam de presente algumas louças e até um fogãozinho com forno.
Uma casa que estava desocupada foi emprestada para as reuniões e para montar o tal Clubinho. Neste local houve apresentações de dança das crianças e esquete teatral.(Intenções educativas de mães- professoras)
No mês de junho teve a famosa festa junina cheia de bandeirinhas coloridas, as meninas vestidas  de prendas e os meninos de peões ou caipiras, muita música, tinha carrocinha de pipocas. As mães preparam o quentão e comilanças, organizaram brincadeiras e uma grande fogueira de São João foi armada pelos pais no fundo do condomínio.
Nos outros meses, um pai entusiasmado lotava a sua Kombi de trabalho com os meninos jogadores e os levava para um jogo de futebol, quase todos os sábados na sede campestre do Sport Club Rio Grande (o clube mais antigo do Brasil). 
Alguns anos mais tarde, outro pai, adepto do futebol de mesa, incentivou os meninos e os levava para participar de campeonatos na sede central do mesmo clube. Compraram times de botão e usavam camisetas personalizadas.
Uma mãe incentivou alguns a participar de um piquete (grupo tradicionalista) e levava-os para os ensaios da Invernada Artística.
As crianças chegavam da escola e já corriam para a rua para brincar e fazer arte. Um dia fizeram uma fogueira no matinho da chácara ao lado e quase que o fogo se alastrou. De vez em quando via um ferido por acidente. Um pedra jogada, um tombo, uma briga, é sempre comum quando se tem muitas crianças.
Embora a maior briga era da bola com os vizinhos.  Tínhamos um vasto terreno nos fundos, mas cheio de entulhos, principalmente sobras das obras que nunca foram retiradas.  Então o campo de futebol era no meio da rua ou na frente de alguma garagem,ora certamente os condôminos reclamavam bastante das boladas nas casas.
A pracinha infantil também era muito precária e os vizinhos ao lado não queriam que as crianças fizessem barulho. Pode?
O tempo foi passando. As crianças cresceram, viraram adolescentes, pararam de brincar e começou o interesse  pelos jogos de videogames, as músicas altas e os namoricos escondidos...
Numa trégua, os cuidados foram substituídos.
As reclamações eram outras, mas soavam dos mesmos lados. Os vizinhos não queriam ouvir o som das músicas, das bolas de basquete, dos jogos dos games, nem os gritos. Intolerância absurda.
Até que os adolescentes viraram jovens e cada um buscou seus interesses; uns em  estudar, outros por um  trabalho. Uns namoraram e foram viver juntos em outro lugar, outros continuaram solteiros.

 Alguns ainda moram ali, outros vem visitar e rever os amigos algumas vezes e tem os que nunca mais apareceram.
Numa trégua aos pais, os cuidados que eram dispensados aos filhos passaram   para  os cachorrinhos, os gatinhos ou para os netinhos.

No nosso caso, 15 anos depois e eu, particularmente, continuava apaixonada pelo local. Tentava convencer meus pais, muitos velhinhos(ele com 96 anos e minha mãe, 79) a mudarem-se para o condomínio, mas idosos dificilmente deixam suas casas. Um dia,  meu pai sofreu uma queda da escada do sobrado em que morava no centro, o que resultou em consequências graves para ambos. De pais,eles passaram  a filhos, e nós tivemos que assumir o controle de suas vidas para o bem deles. Não foi fácil, eles estavam acostumados com a independência e agora dependiam de outras pessoas: meu pai com problemas de locomoção e minha mãe estava com a doença de Alzheimer.Precisavam urgentemente de uma casa térrea num lugar seguro? Onde seria?


Eis que a penúltima das casas térreas estava coincidentemente, à venda. Fui conhecê-la. Apenas uns dias de negociação e fizemos o mais amigável dos negócios, permutamos as casas.  Foi bom para nós três, principalmente para mim que precisava cuidar deles.
Novamente, senti que estava no lugar certo.
Passaram-se mais seis anos. Meu velho pai alcançou os 101 anos e 5 meses de vida e minha querida mãe, às véspera de completar os 85. Então,em 2009 e 2010 respectivamente, eles foram para uma outra Morada, a eterna...



Por uma benção de Deus, meu netinho nasceu dez dias depois da grande perda. Agora era minha filha que precisava de uma casa num lugar seguro, tranquilo, alegre, ensolarado e onde as crianças possam brincar a vontade. Onde seria?


Agora, já estou achando que é teimosia do destino. Sei lá!!!





Em tempo:
Hoje dia 25 de maio, passeando de bike no Bairro: Bolaxa (esse é com "x", mesmo) encontrei com a vizinha que tantas vezes levou a gurizada para a Invernada Artística Tradicionalista. Ela está morando ali,agora. Foi um prazer encontrar com Eloisa Bessa. 

3 comentários:

  1. ...festa em homenagem às mães com peça teatral,festa junina com o famoso casamento na roça, missa para os moradores e porteiros com entrega de alimentos para os mesmos para comemorar o natal,acampamento no campinho entre casas, participação em programa de rádio para falar do síndico-mirim... Segue no próximo comentário...

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  2. Continuando... futebol da gurizada contra os pedreiros, projeção de filme em garagem para as crianças, mocotó na sede para arrecadar dinheiro para melhorias no local, criação e confecção do "judas" na Semana Santa (para a alegria das crianças, o judas sempre era alguém que implicava com elas) e se puxar pela memória, ainda há muito o que lembrar e narrar. Que bom fazer parte de tudo isso!

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