"Caso o cotidiano lhe pareça pobre, não reclame dele,

reclame de si mesmo que não é poeta o bastante

para evocar as suas riquezas."


Rainer Maria Rilke

Cartas a um jovem poeta.Porto Alegre: L&PM,2006.p.26




terça-feira, 26 de junho de 2012

Velhos são os trapos


Quem me conhece sabe que eu gosto muito de estar com idosos e isto não é de agora, na infância tive vários amigos idosos. Lembro que tínhamos uma pequena casa na av.Atlântica no Cassino e ao lado veraneava uma família- um casal com um filho jovem. O senhor parecia tão envelhecido para mim que tinha apenas 9 anos de idade. Ele era uma pessoa calma, gostava de sentar-se embaixo de uma árvore perto do muro e ali ficava observando os pássaros. Eu adorava conversar com ele e sua esposa. Não lembro bem sobre o que nós falávamos, mas parecíamos amigos de longa data.
Conheci outro vizinho,vô de uma grande amiga, era gaúcho da campanha. Foi ele que me ensinou a andar a cavalo e que me emprestava a égua tordilha. Era também uma pessoa tranquila, tinha o bigode e os cabelos grisalhos, uns olhos azuis bem pequeninhos, um rosto enrugado e uma pele castigada pelo Sol. Tomávamos chimarrão juntos e ficávamos um longo tempo conversando na beira do fogão a lenha, na casa da família na região dos Banhados.
Por parentesco, ganhei um tio muito querido, vinha de São Paulo, fumava cachimbo e me chamava por um apelido carinhoso. Até hoje gosto de sentir o aroma do fumo queimando no cachimbo, porque me traz a lembrança daquele tempo. Ele era muito simpático. Também conversávamos muito, de tudo um pouco. Eu adorava quando vinham nos visitar. Aprendi a apreciar a culinária portuguesa por sua causa,
Em outra ocasião estava na praça Xavier Ferreira passeando com meu filho, na época com dois anos. Cansados sentamos num banco e ao nosso lado estava um senhor magro, muito claro, olhos azuis acinzentados e que, naturalmente, começou a conversar comigo. Não preciso dizer que ficamos por muito tempo batendo papo. Passado uns meses, coincidentemente, ele veio morar com sua família no mesmo edifício onde residíamos e nos tornamos vizinhos. Um tempo depois a família mudou-se, mas era sempre um prazer lhe encontrar. Acostumado a trabalhar na roça lá na sua cidade de Camaquã, aproveitou o pátio grande da casa nova e fez uma horta, plantou tomates que distribuía aos amigos e vizinhos. Ganhei muitos de presente, eram tão gostosos, daqueles de comer por inteiro, de dar água na boca só de lembrar.    
Alguns anos mais tarde, conheci, através da minha coluna no jornal, um senhor apaixonado pela poesia. Mandou-me uma carta e nos convidou para um Sarau Literário que organizava todos os anos em sua residência. Lá reunia muitos amigos e fazia uma festa com declamações poéticas, música, muita alegria e um ato ecumênico para agradecer a reunião. O sarau acontecia sempre nos últimos dias de janeiro no Cassino, era além de bonito, emocionante. Acho que aprendi a apreciar mais as poesias depois de conhecê-lo.
Tive amizade também com muitas senhoras: a benzedeira da Vitorino, a vó Maroca, a vó Laura, a Dadá, a Bichinha, a vó Georgina, a tia Lila e muitas outras. Só que elas não eram calmas como eles, pelo contrário, todas eram muito determinadas, às vezes até brabas, mas sempre foram muito amorosas comigo.
Talvez toda essa empatia tenha ligação com o fato que entre meus pais e eu havia uma grande diferença de idade. Meu pai alcançou quase os 102 anos e minha mãe os 85. Senti-me sempre muito a vontade entre idosos. Acostumei-me desde pequena com esta convivência e suas manias.
Hoje guardo boas lembranças dos meus amigos idosos e recordo com carinho a frase do vô João ( que eu adotei): Velhos, Maria, são os trapos! Só os trapos!

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