"Caso o cotidiano lhe pareça pobre, não reclame dele,

reclame de si mesmo que não é poeta o bastante

para evocar as suas riquezas."


Rainer Maria Rilke

Cartas a um jovem poeta.Porto Alegre: L&PM,2006.p.26




quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Anjos do lar

* Nomes fictícios

Certas pessoas entram no nosso lar com o propósito de prestar um serviço, mas algumas vão além disso entram nas nossas vidas, também. Refiro-me a algumas empregadas domésticas ou secretárias do lar, como queiram.
Enquanto trabalhamos, precisamos que elas cuidem dos nossos filhos, preparassem a comida e arrumem nossa casa. Algumas são muito eficientes no seu trabalho e na maneira carinhosa em que nos tratam. Por sorte, as secretárias que trabalharam conosco foram assim.

A primeira chamou-se Zizi*, tinha 50 e poucos anos e uma disposição de dar inveja. Chegava pontualmente, não faltava e ainda, por solicitação dela, voltava em casa na hora do almoço, especialmente para servir o almoço "pro velho", seu marido. Quando estava com o serviço adiantado preparava sobremesas gostosas.
Ela conhecia todas as ervas de chá e as indicações, entendia de tudo um pouco, tinha uma voz fininha e falava muito alto.
Seu marido era cardíaco e por causa dele abandonou o trabalho de mais de um ano.

Depois conhecemos a Janete*, mãe de minha aluna, que faxinava as casas e depois do trabalho ainda ia fazer a manutenção do escritório de uma grande empresa. Ela não conhecia a preguiça. Deixava tudo limpinho e brilhando. Só queria uns  pequenos intervalos para o cafezinho e o cigarro.Não se empregava em uma só casa, porque com três filhos pequenos para sustentar, a faxina lhe proporcionava uma renda maior. Tinha mil histórias de muito sacrifício e perseverança para contar.

Então foi ela que me indicou a sua irmã - Rosinha*, uma jovem de 18 anos, muito dengosinha, mas responsável. Logo que se apresentou  avisou-me que não sabia cozinhar além do básico, mal sabia passar e tinha que estudar à noite. Mesmo com todas essas dificuldades, foi ótima! Cuidou do meu filho com um ano de idade com carinho, era bem alimentado e estava sempre arrumadinho.
Ela queixava-se muito de uma gastrite e da falta de tempo para estudar. Depois de quase um ano resolveu parar de trabalhar e se dedicar somente aos estudos.

Veio então a Marcia*, jovem também, mas cuidava de tudo como uma senhora, uma dona de casa. Fazia um sopão muito apetitoso, como nunca mais saboreamos outro igual. Ela era excelente! Tanto que uma pessoa fez uma oferta de salário que cobria qualquer outra que nós fizéssemos a ela. Por isso trabalhou apenas uns cinco meses.

Conhecemos depois a D.Enedina*-alta, forte, quase um leão de chácara mas muito dedicada. Precisava sustentar sozinha dois filhos e era muito carente. Trabalhou um bom tempo conosco, só desistiu quando   lhe ofereceram um emprego numa fábrica de peixe com muitas vantagens.

Indicaram-me então a D. Amália*. Era, sem dúvida, uma pessoa maravilhosa, responsável, caprichosa, discreta, atenciosa, boa cozinheira, etc. Ficou trabalhando quase cinco anos e só saiu por ter uma artrite reumatóide, sofrendo com dores muito fortes.

Mais tarde, tivemos mais uma mãe de minha ex-aluna, a Mirna*, uns 32 anos na época, magrinha e muito falante. Pessoa muito companheira, preparava comidas muito gostosas com um tempero perfeito, mas não parava muito nos serviços, porque sonhava alto e trocava de ramo com facilidade.

Até que chegamos num período em que já não precisávamos mais dos serviços domésticos, juntos dávamos conta de manter a casa arrumada, a máquina de lavar funcionava bastante e os restaurantes por quilo e os lanches solucionavam o problema da alimentação...Mas a vida dá muitas voltas e voltamos a precisar de outra forma. Contratei três novas secretárias do lar para acompanhar meus pais idosos e dependentes. 
Foram várias até nos acertarmos com a Jussara*, Jacira*, a Joceli*,( todas com 50 anos). A Jussara, lembrava-me a Enedina*, era alta, forte e tinha uma voz grave... e um coração bondoso. E foi por uma doença do coração (físico) que teve de abandonar o seu trabalho.
A Jacira, mãe também de uma ex-aluna, era muito necessitada, humilde, responsável e prestativa. Tinha muitos problemas familiares, mas era uma guerreira.
A Joceli era muito eficiente. Dava conta de tudo, ágil, cozinhava muito bem, dinâmica e responsável. 
Nas folgas das três, contratei a Neiva*, magrinha, uns 50 anos, responsável, sempre pronta para trabalhar e tranquila.
Todas as quatro-"marias" ficaram juntas enquanto foi necessário, sem problema algum. Elas se organizavam e não nos deixavam na mão. Foram maravilhosas!
Minha família foi tratada com atenção e carinho por todas elas.

Bom isso tudo é para dizer que "anjos do lar" existem sim, precisamos apenas recebê-los com carinho e sempre reconhecer a ajuda que, um dia, muito nos deram.

*Tenho saudades e gratidão por elas.
A Joceli voltou a trabalhar conosco, cuidando do meu neto.
Infelizmente, a Zizi, hoje, aos 80 anos, vive numa Casa de Idosos e acometida da doença de Alzheimer, não reconhece mais as pessoas.A Rosinha faleceu aos 40 anos, pois aquela gastrite era algo mais grave. A Mirna também faleceu de repente, com 36 anos por infarto do coração.
Quanto à D.Enedina, a Jacira e a Jussara, perdemos o contato, nunca mais as encontrei. A Marcia trabalhou por um tempo com aquela senhora e após pediu demissão. Não soube mais notícias dela.
A Janete trabalhou muito e conseguiu construir sua casa e sua independência, está aposentada. 
A D. Amália aposentou-se. De vez em quando, me telefona.
A Neiva parou de trabalhar, manda-me, seguidamente, abraço por um netinho.

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